ECONOMIA CIRCULAR: a importância da implementação desse sistema no setor da moda

ECONOMIA CIRCULAR: a importância da implementação desse sistema no setor da moda
  Por: Maria Eduarda Granato Silva - dudagranato99@gmail.com
Economia circular e a importância da implementação desse sistema no setor da moda

 

Por décadas, vivemos sob um sistema econômico linear, o qual é caracterizado pelo seguinte princípio fundamental: extração de recursos; produção; distribuição; consumo; descarte. Dentro desse modelo econômico, as manufaturas extraem a matéria-prima da natureza, convertem-a em produtos e distribuem para a sociedade. Por sua vez, os consumidores utilizam os produtos por um determinado período, que varia de acordo com o seu tipo e sua qualidade. Assim que a necessidade do consumidor, ou a vida útil do produto acabam, ele é imediatamente descartado, podendo ser doado, levado a aterros sanitários, ou sendo incinerado.

No início do século 18, quando a Primeira Revolução Industrial começava a nascer, surgiu o sistema econômico linear como sendo o modelo mais aceito, afinal, naquela época, a disponibilidade de recursos era abundante, além de serem mais baratos do que o custo da mão de obra. Esses foram fatores que motivaram a adoção do modelo linear, o qual utilizava a matéria-prima extensiva e energia, obtendo maior lucro com menos capital e mão de obra. Dessa forma, uma vez que o principal foco das manufaturas era o de lucrar mais, os processos de reciclagem, reuso, e os métodos de gerenciamento de resíduos foram negligenciados. Após anos de perpetuação desse modelo, é possível observar as consequências ruins deixadas por ele, como a escassez de matéria-prima e os impactos negativos ao meio ambiente, incluindo mudanças climáticas, destruição de hábitats naturais, geração de resíduos, etc.


ECONOMIA LINEAR NA MODA

 


No setor da moda, o modus operandi e as consequências deixadas por ele, não são diferentes. De acordo com a Fundação Ellen MacArthur, as roupas representam mais de 60% do total de tecidos usados, e, nos últimos 15 anos, sua produção aproximadamente dobrou devido ao aumento da população classe média ao redor do globo. Apesar do aumento da demanda, o uso das peças diminuiu quase 40%. Ambas mudanças se devem principalmente ao fenômeno do ”fast fashion”, o qual promove uma rápida variação de novos estilos e o crescimento no número de novas coleções oferecidas por ano, geralmente, com preços mais baixos. A perpetuação do sistema segue os mesmos princípios fundamentais desenvolvidos no início do século 18, porém, agora, há uma diferença crucial: os recursos naturais não são mais abundantes. Ao contrário, estão cada vez mais escassos, exatamente por conta do modelo linear. E, como subproduto da escassez, há o aumento do custo da matéria-prima. Ou seja, fica cada vez mais claro que a linearidade é insustentável para o futuro do planeta nas próximas gerações. No modelo de produção atual, grandes quantidades de recursos não renováveis são extraídos da natureza para produzir roupas que são, na maioria das vezes, usadas por um curto período. A cada segundo, um caminhão carregado de roupa é levado ao aterro ou queimado, e estima-se que mais da metade do que é produzido pelo “fast fashion” é descartado em menos de um ano (Ellen MacArthur Foundation, 2019).


ECONOMIA CIRCULAR

 


Diante desse cenário alarmante, surge a circularidade como uma alternativa para minimizar os impactos negativos ao meio ambiente. Apesar de ser um conceito inovador, a ideia de um modelo circular já havia sido abordada em estudos feitos por Walter R. Stahel e Geneviève Reday-Mulvey em 1977. Eles detalharam o conceito de economia circular, ou ”an economy of loops”, em seus artigos, os quais são relacionados à extensão de vida dos produtos e à ecologia por trás do processo. A vida útil do produto, ou o período durante o qual produtos e bens são usados, rege sua velocidade de substituição e, portanto, o consumo de recursos naturais necessários para a sua fabricação, e a quantidade de resíduos que geram. A redução da vida útil do produto aumenta a demanda por bens de substituição onde estes podem ser adquiridos.

Prolongar a vida útil do produto otimiza a vida útil total dos bens, reduzindo o esgotamento dos recursos naturais, e, consequentemente, o desperdício. O uso prolongado de produtos contribuirá, assim, com a transição para uma sociedade sustentável. (Stahel, 1982, p. 72.) Em um de seus artigos, Stahel demonstra graficamente a eficiência do sistema circular através do que ele chama de “The Self-Replenishing System (Product-life extension)”, que representa um sistema que se auto reabastece com o intuito de prolongar a vida útil de um produto. Nele, ele apresenta os 4Rs: reutilizar; reparar; recondicionar, que seria a utilização de produtos ou componentes usados como fonte para a criação de novos (upcycling); e reciclar. Ele aborda conceitos que até então haviam sido absolutamente ignorados no sistema linear de produção. (Figura 1: The Self-Replenishing System (Product-Life Extension) (Sistema de auto (re)abastecimento que busca aumentar a vida útil de um produto)    

OS BENEFÍCIOS DA CIRCULARIDADE

 

 

Os benefícios de aplicar o sistema econômico circular podem ser divididos entre curto e longo prazo. Primeiro, a vantagem de implementar um modelo econômico que exalta a operação da natureza, como o circular, onde o desperdício é usado como alimento para uma nova etapa, seria a redução do descarte e um subsequente efeito de antipoluição no meio ambiente, o que também preveniria inúmeras doenças causadas por um gerenciamento precário de resíduos. Além disso, se trata de um sistema de circuito fechado, o qual poderia ser sintetizado pela frase “tudo volta”. Isso resulta em um fluxo contínuo de recursos, serviços e melhorias. Em troca, por ser baseado nos princípios e ciclos da natureza, também possibilita o tempo necessário e o espaço para a regeneração natural de recursos, uma vez que ao reutilizar materiais inúmeras vezes, não há necessidade de usar matéria-prima virgem constantemente. Isso inclui também água e energia, os quais são usados continuamente durante o processo, direta ou indiretamente, e que enfrentam precisamente uma crise de escassez. Se todas as etapas de produção estiverem constantemente poluindo a água, ou extraindo recursos do solo, estarão deixando uma pegada na disponibilidade de água e no consumo de energia.

DESAFIOS


Agora, um dos principais desafios que enfrentamos para desenvolver esse novo modelo é o de assumir abertamente nosso mau comportamento e de nos responsabilizar em encontrar novas soluções. É preciso entender que todos nós somos responsáveis pelos materiais, produtos, ou serviços que usamos, assim como tudo que descartamos. Isso engloba designers, produtores, indústrias, transportadoras, usuários, etc.

Quando considera-se um sistema econômico circular, é necessário referir-se ao modelo de negócio, o qual inclui a produção, a comunicação interna e externa, e os modelos de marketing das empresas. Esses, podem propagar os ideais de reparar, reutilizar, reciclar e recondicionar (4Rs); ou a criação de uma política ao redor do aluguel, ou até mesmo da revenda/troca com intuito de substituir o que possuem, prevenindo o desperdício diário.

O “fast fashion” emergiu nos anos 1990 em resposta à uma crescente demanda acelerada. Funciona como um núcleo latente de constante e rápida produção/consumo. Devido a esse modelo estar claramente fora de controle, é vital que se recupere o passo natural dentro do sistema fashion, uma vez que o lado negativo do lucro, sucesso e glamour alcançado por essas marcas é a exploração da mão de obra, como o trabalho infantil e as más condições de trabalho; direitos humanos violados; negligência; e a superexploração dos recursos usados como matéria-prima no processo produtivo.

 

Duda Granato, de 21 anos, é criadora e designer de moda emergente, amante e pesquisadora de sustentabilidade nesse setor. Tem uma pequena marca (@grabygra) onde trabalha com upcycling e rework, criando majoritariamente sob encomenda.

 

 

 

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